Quem tem cabelo crespo sabe, ele é tão especial que
precisamos buscar salões específicos, e caros,
para cuidar deles.
Visitei um desses pela segunda vez para cortar os meus.
Desde a primeira visita achei estranho o método de pentear antes de cortar. Mas
o corte ficou bom, então voltei.
Cheguei 20 minutos antes e, no meu horário a cabeleireira
tinha duas pessoas para atender ao mesmo tempo. Saquei que a rotina lá é
puxada, não é ela quem cuida da agenda, então sentei para esperar mais um
pouco.
Para adiantar, a cabeleireira me entregou um pente e me
disse: Você pode ir desembaraçando, por favor?
Eu que tinha lavado, hidratado e perfumado meus cabelos pela
manhã, fiquei uns segundos com o pente na mão sem saber direito o que fazer com
ele.
Eu já tinha entendido o método, a pressa da cabeleireira,
que aliás é boa, e branca. Branca como a dona do salão, cheio de assistentes
negras que puxam assunto enquanto a gente espera, escolhem a música, pintam, lavam
e finalizam, mas não cortam.
Enquanto eu tentava entender porque meu cabelo estaria
embaraçado, já que ele é sim, crespo, e seus cachos secos não se dão com pente
nenhum, do jeito que eu quero e gosto, olhei para a colorista, que fazia mechas em uma cliente ao meu
lado, e recebi de volta um olhar de cumplicidade, e uma piada boa:
- Esse mundo tá perdido, até a cliente tem que trabalhar.
Nesse ponto eu já tinha tirado meus grampos e estava quase,
mas quase mesmo, tentando descobrir como funcionava aquele pente.
Não seria minha pior situação em um salão. Outra vez, em
outro lugar, o cabeleireiro disse que esse tipo de cabelo só conseguia cortar
se escovasse antes. Eu que nunca tinha cortado o cabelo depois de parar de
alisar topei, achei que era assim. Até ele ficar profundamente transtornado
quando, ao fim do procedimento, eu pedi para lavar e tirar a escova. Como
assim? Tá tão bonito! Lavei, me esqueci desse endereço e fiquei anos com o
cabelo todo torto porque eu mesma passei a cortar.
Mas dessa vez foi diferente, a colorista não podia
repreender a colega de trabalho, mas me deu coragem para largar aquele pente no
balcão e decidir que não iria desembaraçar cabelo nenhum.
Enquanto esperava eu desejei ser uma pessoa extrovertida,
ter feito uma piada em voz alta dizendo que meu cabelo não é embaraçado, é
cacheado.
Pensei muita coisa, até neste texto que estou escrevendo
agora e em tantos outros que leio todo o santo dia, relatando olhares, frases,
ações racistas que alguns bons amigos brancos teimam em dizer que é distração,
falta de informação, coisa simples que as vezes a gente passa.
Eu mesma não sou muito afeita a compartilhar esse tipo de
história, primeiro porque custa tempo escrever tanto, depois porque fico sempre
pensando que é dar moral pra eles, sabe? Ficar falando deles o tempo todo
enquanto a gente tem tanta coisa boa pra dizer de nós?
É por isso que este texto não é sobre racismo. Não vou dizer
o nome da pessoa que me atendeu assim nem fazer campanha de boicote ao salão.
Este é um texto sobre cumplicidade. Escrevi tudo isso para
dizer que todas as mulheres negras que compartilham comigo suas historias
tristes e alegres, olhares cúmplices pela rua, suas piadas, me fortalecem. Me
fazem gostar de mim, mesmo quanto o mundo todo teima em repetir que meu jeito
está fora do lugar.
A todas vocês, minha gratidão.

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