Carta escrita e não enviada

Querido amigo.

Quero te dizer que mesmo você não sendo coisa alguma, já que nem pedra é e sim está, um dia pedra, noutro areia, as vezes mar, as vezes sal ou chuva, acontece que sua história vai estar sempre no seu corpo, esteja você sendo o que for.
Nos quilos que você perde, nos cabelos que restarem, no seu jeito de andar. Vai estar nos cigarros que você fuma, nos traços que deixarão no seu pulmão, num machucadinho, no coração. No corte da unha, na cutícula roída.
Se você um dia mudar de nome ainda vai estar no espelho, todo dia de manhã. Sua vida toda nas palmas, nas linhas das suas mãos. Nas tatuagens marcadas por cada cicatriz, cada pinta, cada arranhão.
Se um dia você acordar e não se lembrar de nada, ainda assim, sua história estará marcada no jeitinho de segurar a caneta, de assinar um nome estranho, de se esquecer de tudo.
Sua história vai estar até no seu jeito de se alegrar quando chegar em outro lugar, achando que deixou tudo para trás, quando a única bagagem que sempre se carrega é feita de pele, cheia de sangue, carne, ossos e, para seu azar ou sorte, memórias imperceptíveis.
Desejaria saber te contar o que fazer com isso, mas ainda não fui qualquer coisa que saiba. Desconfio que a tarefa agora seja a de encontrar outros olhos, guardados em algum lugar nos teus, e que estes te permitam visões mais generosas de todos os belos eus guardados nessa sua bagagem.

amor.
Amanda.

Tomou banho e se vestiu. Por baixo do vestido uma calcinha nova, escolheu para ele ver. Saiu e foi ao super mercado.

Depois ouviu muitas vezes a musica deles, enquanto lavava roupa e quando conversava ao telefone.

Guardou dentro de uma caixa, jogada em baixo da cama, quase todos os objetos que continham sua partida.

Nunca mais voltou àqueles lugares. Nem se lembrou deles.

E nem assim conseguiu fazê-lo ir embora.