Ele vinha caminhando de lá. Já com sede e cansado, parou sob
uma árvore para descansar na encruzilhada.
Ela vinha de cá. Parou e perguntou a
ele sobre o caminho. Certo de onde vinha, ele explicou a direção.
Porque era meio dia, o sol rachava em suas cabeças, os pés
queimavam fora da sombra. O coração subia para a boca de tanta sede.
Ela trazia água, ele não tinha pão. Ele aceitou seus goles, e
dividiram dedos e braços para matar a fome. Comeram ávidos uns bons pedaços um
do outro.
Porque estava fora do lugar, e se meteu no caminho dos dentes, o
coração também ficou marcado. E assustado, o coração voltou barulhento pra sua
caixa de osso. Fazendo vibrar todo o resto.Depois da ceia, retomaram o caminho.
Ele pensou no acaso e no
destino. Desconfiando do erro, do acerto e do caminho, ela passou sem pensar.
É, isso é mágico, é fantástico, você manda bem nesse tipo de texto, faz a gente abrir um leque de percepções e análises, rico. Viajei um bucado aqui, segue a trilha:
ResponderExcluirParece que quem narra é o meio da encruzilhada ou alguém que está nesse meio, o lugar narrando talvez.
As personagens, não cruzam os caminhos, se encontram, se juntam, se alimentam um do outro, mas não cruzam os caminhos, retomam, isso é marcante.
É um encontro marcado pela quentura, pela necessidade natural, de água e sombra, sentida no coração. “Coração marcado” é outra imagem forte.
Engraçado como ela, precavida, trás água e ele não trás pão, parece um descuido ou uma falta, mas isso é o que possibilita os dois se alimentarem um do outro. Se ele não trouxe o pão, e ela não tinha, um se ofereceu ao outro.
O coração que é o motor da vida, o que revela o ritmo do corpo, tem medo, se esconde, se assusta, ao ver os dois se alimentando um do outro, dando a entender que é uma troca instintiva, até feroz e forte que desestrutura toda base. Mas de quem era o coração, dele ou dela, ou será dos dois, ou na junção era um coração de ambos?
Mas quando a narração revela uma ceia, aí abre um campo pro alimento sagrado, é anuncio de segredos, é onde se como o corpo, em favor do ensinamento do amor (o que em certa medida contrário o título, mas isso é relativo), do novo tempo e isso é reforçado não só por ser ceia, mas pela data de postagem (sexta –feira santa), nossa quanta simbologia...
Aí me revela uma chave: o pão que não vem por ele, está simbolizado no corpo dos dois, pois na ceia tradicional se como o pão simbolizando o corpo, já no texto se come o corpo simbolizando o pão, e não há no texto quem ofereça o corpo-pão, é uma dádiva mútua, uma inversão do tradicional. Ou seja, ele não é mais especial que ela e vice-versa, mas ambos formam um símbolo sagrado. Ou seja invertem a tradição, mas se ligam a ela, renovam, fazem de um jeito próprio, negam e respeitam, se isso é possível, pelo menos no texto é.
E por fim a retomada do caminho, cada um na sua, um pensando, racionalizando, mas pelo acaso e pela sorte, racionalizando o abstrato, o que não revela o segredo da ceia. E ela desconfiando, procurando não pensar, o que é uma forma de pensar também, de racionalizar pela desconfiança, pois desconfiar é analisar se é verdade ou mentira, é colocar dúvida, reflexão.
Ou seja, os dois racionalizam ao seu modo, mas se distanciam da verdade, do segredo, porque no abstrato e na desconfiança não há certezas, ela passou desconfiando, e ele pensou na passagem. Talvez seja por isso que se alimentam, pois são diferentes nos sentidos, mas tem necessidades em comum, e o fato da ceia me parece o mais forte desse comum ... por isso são complementares, se juntam na encruzilhada, se interferem, se influenciam, mas sem interferirem no caminho um do outro, mas agregando símbolos no caminho de cada um.
Por ultimo o titulo, que titulo bem construído, porque inverte a posição da frase, mas ainda deixa uma aproximação no sentido comum, e vai na mesma vibração do texto, usa o tradicional, invertendo, mas sendo a tradição também, e sendo outra coisa, autônomo, essa é tal da dialética, né? Anunciando e negando, definindo e confundindo, é um titulo livre, é o reflexo dos dois personagens, o acaso e o caminho, sem certezas ... Acertou em cheio, porque é difícil definir e o titulo é chave pra prévia de qualquer texto. Mandou muito, muié!
MY