21/02/2018

Que valor você dá à sua comida?



Resolvi retomar a escrita para dizer sobre alguns pensamentos e situações que me levam diariamente a escolher a prática da Alimentação Viva, que venho fazendo há 08 meses.

Pensei neste texto mais como um convite à reflexão do que um relato de experiência. Eu tenho um pouco de preguiça de contar a minha história. Lá no fundo eu sei que, por mais que a gente se inspire na trajetória de alguém para transformar a nossa, o mais provável mesmo é que na nossa vez seja tudo diferente. Daí, depois de um tempo, e com a vivência da nossa própria caminhada, as histórias que a gente ouviu até parecem mentira, né verdade?!

Desde o início eu me propus a compartilhar esta prática do meu cotidiano e passei a publicar fotos, receitas e aprendizados no meu instagram (@amandalaprado).  Isso me ajudou muito no meu comprometimento. Porque a gente é bem besta mesmo, e se compromete mais com as outras pessoas do que com nós mesmas.

Assim eu também aprendi a nunca mais criticar quem posta foto do prato da salada e não diz que era só a entrada do PF. Pra mim, postar a foto da salada me ajuda a voltar a ela no dia seguinte, mesmo quando eu como pizza no jantar. Eu escolhi começar pelo compromisso com a imagem que os outros fazem de mim, para em seguida melhorar e aprofundar o compromisso que eu sei que devo ter comigo. Este é um trabalho vitalício.

Recentemente topei também o desfio de compartilhar essa trajetória em um curso, que vai acontecer a partir de abril de 2018 na Casa de Cultura da Vila Guilherme, na zona norte, em que vou estar na companhia do +Michel Yakini, que muito tem me ajudado nessa busca (em coletivo é sempre mais fácil, gente. Cola com noiz!).

Assim, já que a prática está alcançando novas áreas da vida, passei a pensar em uma pergunta que é muito recorrente: Como eu comecei?

Na busca por uma resposta eu vasculhei minha vida. Tentei me lembrar quando e porque deixei de comer carne vermelha? Como consegui engordar mais de 20 quilos sem perceber? Quantos remédios eu tomei e quantas dietas antes desse sobrepeso e sem a menor necessidade? E todas aquelas questões de baixa auto-estima, ostentação depois da escassez que toda negra, periférica vive, já viveu ou viverá, ferveram na minha cabeça.

Eu me lembro bem do dia em que eu resolvi experimentar um preparo diferente dos alimentos, lembro o que cortei e o que incluí primeiro. Mas agora eu sei que não foi assim que eu comecei. Esta pergunta ficou curtindo na minha caxola até que hoje eu entendi, penso que finalmente entendi, que o processo que me trouxe até aqui tem menos a ver com escolher o que vou almoçar e jantar e mais a ver com o que carrego como valores para a minha vida.

Todas e todos temos valores que nos balizam na escolha do que é bom e o que é não é. Tem alguns valores que a gente consegue realizar, e tem outros que só geram expectativa. Eu mesma tenho como valor ter uma casa livre de poeira. Mas não tenho tempo, energia ou capacidade de manter tudo limpo o tempo todo. Penso que ninguém é capaz de manter o topo do armário limpo e a sanidade mental em dia ao mesmo tempo. Mas fico feliz toda vez que consigo incluir o topo do armário e os livros na faxina. É um valor meu, fazer o que?!

Mas tem outros valores que desenvolvi, por muitos motivos, e que influenciam nas minhas escolhas alimentares também. Desde que eu saí da casa da minha mãe eu sempre prezei por fazer minha comida. Porque não tenho dinheiro para comer fora todo dia, porque eu gosto de ir à feira, porque eu gosto de preparar comida, porque eu gosto de compartilhar comida.

Como eu aprendi olhando a medida de cozinhar para quatro na casa da minha mãe, nunca consegui fazer um prato só pra mim. Disso se desenvolveu a necessidade de cuidar e armazenar a comida. Então, o dia da feira sempre foi o dia de lavar e secar saladas e temperos, fazer marmitas, separar e congelar porções. Descobri que cuidar da minha comida sempre foi um valor pra mim, e que aprendi só de olhar.

Então talvez eu tenha começado fazendo mamadeira para o meu irmão mais novo, ou esquentando a comida na hora certa para os meus irmãos almoçarem antes de ir pra escola. Eu posso ter começado intuitivamente deixando de gostar do sabor do bife, mesmo ele sendo uma raridade comemorada na mesa naquela época. Eu posso ter começado quando me intriguei porque meus amigos vegetarianos não comiam nem queijo, comiam o que então?

Tenho descoberto a cada dia que a Alimentação Viva é uma prática de vida, que está se afluindo nos meus diversos canais de criação. E assim é porque é simples. Não existe maneira mais simples de se alimentar do que a de não mais cozinhar. É um princípio bem básico, mas que não funcionaria se eu não tivesse o ato de me alimentar como um valor.

Quando falo sobre se alimentar, é sobre tudo o que você põe pra dentro, não importa qual seja a sua dieta. Se você quer começar alguma mudança e deseja que ela seja profunda, libertadora e permanente em sua vida, é necessário observar como você se relaciona com o objeto a ser mudado. Que valores regem isso na sua vida? São valores que você pratica ou são estes que só complicam?

Foi nesse ponto que cheguei nessa reflexão, Brasil. Espero que você não se desanime com tanta história. Se você está a fim só de provar, sem compromisso, experimente, descubra pro si própria seu caminho. Não tem opção melhor ou pior entre experimentar uma coisa nova ou mudar profundamente uma prática, mas fazer a escolha com presença e consciência é um ótimo jeito de começar.

Vendaval

Hoje tem poesia na janela
olho dessa caixa surda
sem telha que amplifique
o som da chuva

09/06/2016

Pode ir desembaraçando?






Quem tem cabelo crespo sabe, ele é tão especial que precisamos buscar salões específicos, e caros,  para cuidar deles.


Visitei um desses pela segunda vez para cortar os meus. Desde a primeira visita achei estranho o método de pentear antes de cortar. Mas o corte ficou bom, então voltei.


Cheguei 20 minutos antes e, no meu horário a cabeleireira tinha duas pessoas para atender ao mesmo tempo. Saquei que a rotina lá é puxada, não é ela quem cuida da agenda, então sentei para esperar mais um pouco.


Para adiantar, a cabeleireira me entregou um pente e me disse: Você pode ir desembaraçando, por favor?

Eu que tinha lavado, hidratado e perfumado meus cabelos pela manhã, fiquei uns segundos com o pente na mão sem saber direito o que fazer com ele.


Eu já tinha entendido o método, a pressa da cabeleireira, que aliás é boa, e branca. Branca como a dona do salão, cheio de assistentes negras que puxam assunto enquanto a gente espera, escolhem a música, pintam, lavam e finalizam, mas não cortam.


Enquanto eu tentava entender porque meu cabelo estaria embaraçado, já que ele é sim, crespo, e seus cachos secos não se dão com pente nenhum, do jeito que eu quero e gosto, olhei para a colorista, que fazia mechas em uma cliente ao meu lado, e recebi de volta um olhar de cumplicidade, e uma piada boa:
- Esse mundo tá perdido, até a cliente tem que trabalhar.


Nesse ponto eu já tinha tirado meus grampos e estava quase, mas quase mesmo, tentando descobrir como funcionava aquele pente.


Não seria minha pior situação em um salão. Outra vez, em outro lugar, o cabeleireiro disse que esse tipo de cabelo só conseguia cortar se escovasse antes. Eu que nunca tinha cortado o cabelo depois de parar de alisar topei, achei que era assim. Até ele ficar profundamente transtornado quando, ao fim do procedimento, eu pedi para lavar e tirar a escova. Como assim? Tá tão bonito! Lavei, me esqueci desse endereço e fiquei anos com o cabelo todo torto porque eu mesma passei a cortar.


Mas dessa vez foi diferente, a colorista não podia repreender a colega de trabalho, mas me deu coragem para largar aquele pente no balcão e decidir que não iria desembaraçar cabelo nenhum.


Enquanto esperava eu desejei ser uma pessoa extrovertida, ter feito uma piada em voz alta dizendo que meu cabelo não é embaraçado, é cacheado.

Pensei muita coisa, até neste texto que estou escrevendo agora e em tantos outros que leio todo o santo dia, relatando olhares, frases, ações racistas que alguns bons amigos brancos teimam em dizer que é distração, falta de informação, coisa simples que as vezes a gente passa.


Eu mesma não sou muito afeita a compartilhar esse tipo de história, primeiro porque custa tempo escrever tanto, depois porque fico sempre pensando que é dar moral pra eles, sabe? Ficar falando deles o tempo todo enquanto a gente tem tanta coisa boa pra dizer de nós?


É por isso que este texto não é sobre racismo. Não vou dizer o nome da pessoa que me atendeu assim nem fazer campanha de boicote ao salão.


Este é um texto sobre cumplicidade. Escrevi tudo isso para dizer que todas as mulheres negras que compartilham comigo suas historias tristes e alegres, olhares cúmplices pela rua, suas piadas, me fortalecem. Me fazem gostar de mim, mesmo quanto o mundo todo teima em repetir que meu jeito está fora do lugar.

A todas vocês, minha gratidão.

22/03/2016

No rolê Perdizes

Dia desses, depois de mais de seis anos vivendo na Barra Funda, tomei coragem para visitar as Perdizes. Em tantos anos morando ao lado deste lugar distante eu sempre achei mais perto ir para Diadema, Brasilândia, Itaim.
Tem também um tanto de portais, catracas e cancelas que impediram cruzar esta fronteira ao longo deste tempo. Eu já tinha ido lá, mas só para resolver compromisso urgente, correndo pra passar despercebida.
Desta vez fiz diferente. Andei pelas calçadas como quem chega em cidade nova, registrando onde fica o banco, a sorveteria. Lendo os nomes: Ilhas de Capri, Elites, Brasilidades, Jóias desenhando as fachadas. Aprendendo o ônibus que vai e que volta mais rápido, desgostando das ladeiras, dando bom dia aos donos das bancas de jornais.
Até que senti vontade de correr, correr pelas ruas das Perdizes, dar risada, gargalhar dos nomes dos lugares que eu só consegui ler agora, depois de anos exercitando os músculos que mantém a cabeça ereta e os olhos na altura do horizonte.
Tomei o ônibus azul, para a Casa Verde. Paguei passagem, virei a roleta e sentei atenta ao ponto que é logo ali do lado. Da Pacaembu voltei andando pra casa. Agradecida de mais um caminho aberto.

18/04/2014

O que amor não é

Ele vinha caminhando de lá. Já com sede e cansado, parou sob uma árvore para descansar na encruzilhada.
Ela vinha de cá. Parou e perguntou a ele sobre o caminho. Certo de onde vinha, ele explicou a direção.
Porque era meio dia, o sol rachava em suas cabeças, os pés queimavam fora da sombra. O coração subia para a boca de tanta sede.
Ela trazia água, ele não tinha pão. Ele aceitou seus goles, e dividiram dedos e braços para matar a fome. Comeram ávidos uns bons pedaços um do outro.
Porque estava fora do lugar, e se meteu no caminho dos dentes, o coração também ficou marcado. E assustado, o coração voltou barulhento pra sua caixa de osso. Fazendo vibrar todo o resto.Depois da ceia, retomaram o caminho.
Ele pensou no acaso e no destino. Desconfiando do erro, do acerto e do caminho, ela passou sem pensar.